Saia da zona de conforto

Poder, privilégios, vantagens, acesso e bem-estar

– Tempo de leitura: 4 minutos

Privilégios. Vantagens. Benefícios que tenho em decorrência de minha condição atual. Podemos dar outros nomes. A gramática é o que menos quero me ater aqui.

Estas vantagens são condições que influenciam direta ou indiretamente minha vida, meu bem-estar. Em diversos contextos. Contribuem para eu ter facilidade no acesso a recursos que preciso, que não necessariamente outras pessoas teriam. Ao menos não com a facilidade que tenho.

Olhando pra minha história, eu diria que poder falar 4 idiomas é um privilégio. Ou vantagem. Que contribui para, por exemplo, ter acesso a conhecimentos em diversos idiomas e que ainda não tem em português. Que contribui para meu desenvolvimento pessoal.

Inclusive, é uma das vantagens que me permitiu fazer um curso entre janeiro e fevereiro de 2019, nos Estados Unidos. Curso este que aborda justamente o tema do qual escrevo agora.

Ter nascido em uma família de classe média, ter meu pai militar e viver ao menos 20 anos da minha vida em bases militares, é outro privilégio. Nunca me preocupei com segurança. Cuidados médicos de primeira linha. Educação de qualidade. Ser homem. Heterossexual.

Apesar de não ter um pai tão presente fisicamente e com uma série de problemas familiares, tive uma mãe que segurou a barra durante toda minha infância, estando sempre presente para me apoiar.

Toda essa tranquilidade que tive para “crescer” como indivíduo me apoiou a desenvolver resiliência psicológica para lidar com as dificuldades familiares (violência doméstica de ordem física e emocional por longos anos) que levaram à separação de minha mãe e meu pai, bem como os impactos posteriores desta separação.

Existe também a questão racial. Por mais que tenha traços africanos e me considere negro (com pele clara), 90% do tempo não passo pelas mesmas dificuldades que outras pessoas negras de pele mais escura. Vista a complexidade de questões envolvendo colorismo no Brasil.

Sobre méritos… É fato que existe o fator Sérgio também. O esforço pessoal para estudar e aprender. Não só na escola e faculdade, mas para ter força de buscar por conta própria aquilo que me faz sentido. Meus sonhos.

Também o desprendimento, por exemplo, para pedir bolsas de estudo quando precisei (como nos Estados Unidos agora, onde por não ser privilegiado financeiramente como o público americano me garantiu uma bolsa de estudos).

Tem tanta coisa mais… mas estas penso que bastam para ilustrar.

Não quero demonizar os méritos individuais. Acho que são válidos e precisam de reconhecimento. Serem honrados. Tampouco quero supervalorizá-los.

Também acho importante honrar que a vida é coletiva. Que por onde passamos, influenciamos e somos influenciados pelo meio. E que o meio é um fator de peso nas experiências de cada indivíduo. Alguns tem um poder pessoal que transcende a adversidade. Outros, não. A complexidade do viver não pode ser reduzida a um “se eu consegui, você consegue”.

Também não quero demonizar seus e meus privilégios. Ou vantagens. Benefícios.

Ora, se existe, nada mais importante que acolher e honrar essa possibilidade de acesso que nos garante bem-estar. Que abre portas e ilumina caminhos.

Porém, reconheçamos que isso não é uma verdade absoluta. Talvez, seja uma minoria que tem o privilégio de ter boa educação. Saúde. Alimentação. Família estruturada. Saneamento básico. Tranquilidade para pensar e escolher, sem tem que matar um leão por dia para sobreviver.

Ou poderia dizer que existe gente muito privilegiada. Outras menos. Algumas, quase nada. Outras ainda, com risco diário de morte pelas suas condições atuais de existência.

 

Já parou para pensar nos benefícios que você tem na sociedade?

Advindos de sua cor de pele. Gênero. Orientação sexual. Etnia. Grau de instrução. Cargo que ocupa numa empresa. Práticas religiosas. Nível de instrução. Domínio de idiomas. Condições físicas. Biotipo. Local onde mora.

Características que no contexto social que vivemos levam para as margens ou para os céus. Inclui ou exclui. Dita quem tem direito a existir. Prende. Solta. Silencia. Dá voz.

Além disso, sua capacidade de lidar com adversidade. Resiliência advinda de superação de problemas do passado. Ter descoberto um propósito de vida.

 

Não tô te culpando pelos teus privilégios. Tampouco querendo me tornar mártir a partir dos meus.

Não tô dizendo que você deve fazer algo pelo outro. Que deve abrir mão de alguma coisa.

Acredito na liberdade de escolha. E na possibilidade de escolhas conscientes, que encontrem equilíbrio entre cuidar de mim, cuidar do outro, cuidar do sistêmico.

Quero ainda compartilhar, com você que também percebe ter muitos privilégios, o desconforto de ver o tamanho dos benefícios que tem e o fato de poder escolher com o que se preocupar; e saber que há um universo de pessoas que a única escolha que tem é fazer de tudo pra viver mais um dia.

Com isso, quero deixar uma semente de reflexão:

– Será que é possível você usar parte do poder que seus privilégios lhe conferem, para contribuir com uma sociedade mais justa e equânime? Se sim, como?

E, junto dessa reflexão, um convite para ação.

Seja com tempo. Seja com dinheiro. Seja com sua energia de vida. Trabalho. Seja como for.

Não é sobre ajudar. Não é sobre caridade. É sobre se reconhecer parte da equação.

E se a nós é dada a possibilidade de somar e multiplicar. Que possamos também, cada vez mais, dividir. Compartilhar.

Há quem pense que está perdendo. De fato talvez o seja, olhado só pro individual.

E talvez, talvez… Para mudanças no sistema de hoje… Uma dose de perda individual é necessária para uma mudança no social.

Agora, a escolha do que compartilhar, só você pode fazer.

Sergio Luciano
Um mineiro que gosta de conversar, aprender com o cotidiano e escrever. Investiga psicologia junguiana, comunicação não violenta, poder, privilégio, democracia profunda, dentre outros temas, para tentar entender um pouco mais esse negócio de relacionar-se com o diferente.
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