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O fazedor de chuva e nossa relação com o diferente

– Tempo de leitura: 5 minutos

Dia 27/04/22 começou oficial e formalmente a primeira turma do meu novo curso aqui na Colibri, e já querido de paixão, que quero facilitar pelo resto da vida (ou até enjoar dele). O nome é: “TRETA: da polarização ao diálogo”.

Um grupo pequeno. Quer dizer, de 13 pessoas. Número bom o suficiente para ter uma troca legal em pequenos grupos quando fazemos algumas dinâmicas. E perfeito para criarmos comunidade e dar tempo de as pessoas se reconhecerem. Se conectarem.

A duração? 6 meses.

Como assim tem gente doida para se encontrar semanalmente, no mesmo bat-horário, durante 6 meses, para falar sobre TRETA?

Tem doido pra tudo né. Se bem que se queremos um viver democrático, que outro caminho teria se não o da escuta e diálogo, diante das divergências? A pensar…

Volta pro curso.

Gosto de escutar o que motiva as pessoas, sabe? Mas escutar mesmo. Escutar razão e coração, na justa medida que cada um deseja se abrir.

Nos escutamos por aproximadamente 1h. Um fala. Abre o coração. Conta sua motivação. Os outros prestam atenção. Imagina, falar 5 minutos, e ficar ouvindo outros 55 minutos… alguém contar de si mesmo?

Num mundo que vive a 200km/h, onde daqui a pouco a Terra capota de tanto que dela freneticamente extraímos, e tudo que destruímos, sem ela ter seu tempo de se regenerar (sim, extinção, ou ao menos uma vida climaticamente dura, é uma ameaça que funga nosso cangote), parar e escutar é vida. Literalmente, vida.

Lá pelas tantas, enquanto escutava cada uma e cada um, uma história me visitou. O fazedor de chuva.

Resolvi contá-la aqui pra vocês. A história completa essa introdução. Essa introdução completa a história.

Richard Wilhelm que residiu na China, contou a Jung a história do fazedor de chuvas de Kiao Chan; essa história é uma maravilhosa parábola psicológica sobre a sincronicidade e sua afinidade com o Tao.

Houve uma grande seca. Durante meses não caíra uma gota de chuva e a situação tornava-se catastrófica. Os católicos faziam procissões, os protestantes oravam e os chineses queimavam varetas de incenso e disparavam canhões para afugentar os demônios da seca, porém sem nenhum resultado. Finalmente, os chineses disseram: “Buscaremos o fazedor de chuvas”.

E apareceu um velhinho magérrimo, vindo de outra província. A única coisa que pediu foi uma pequena casa tranquila em algum lugar, onde se trancou durante três dias. No quarto dia, formaram-se nuvens e houve uma grande tempestade de neve, numa época do ano em que a neve era inesperada e em quantidade inusitada. A cidade fervilhava tanto de comentários a respeito do maravilhoso fazedor de chuvas que Richard Wilhelm foi perguntar ao homem como ele a havia realizado. Indagou de modo tipicamente europeu: “Chamam-no de fazedor de chuvas; poderia me dizer como causou a neve?”. Ao que o pequeno chinês respondeu: “Eu não fiz a neve, não sou o responsável”. “Mas o que você fez durante esses três dias?”. “Ah, isso eu posso explicar. Venho de outro país onde as coisas estão em ordem. Aqui as coisas estão em desordem; não são como devem, de acordo com a disposição do céu. Por isso, todo o país não está no Tao, e eu também não estou inserido na ordem natural dessas coisas, porque me encontro num país em desordem. Tive então que esperar três dias até estar novamente no Tao; então, naturalmente, a chuva caiu”.

Carl Gustav Jung, Mysterium Coniunctionis, pp. 419-20


A gente conversou sobre esse texto. Foi meio que nosso fechamento do primeiro encontro.

RELACIONAR: quais as conexões entre o fazedor de chuva com a sua realidade?

ESTENDER: quais os benefícios em sua vida de buscar esse lugar do fazedor de chuva?

DESAFIOS: quais os desafios de viver esse lugar do fazedor de chuva em seu cotidiano?

Rolou uma conversa massa. Não contarei o que escutei, pois temos um combinado de que aquilo que ali é dito, ali fica. Espaço seguro de expressão. Para sermos nós mesmos, com nossos erros e acertos. Com nossa individualidade.

Mas, da minha parte, posso te dizer que acho necessário cada vez mais pessoas se reconhecerem no lugar deste fazedor de chuva. Abraçarem esse caminho. Ao menos, se queremos construir espaços de mais escuta, mais diálogo, menos polarização. Mais construção, sem necessariamente apelarmos primeiramente para a destruição.

Calma! Isso não significa nos tornarmos pessoas iluminadas e fofinhas que não discutem, que não levantam a voz, que falam manso e estão acima da violência que enxergamos. Que estão acima dos dissabores que temperam o relacionar-se com o diferente.

Significa abraçar a dor e a delícia de ser quem somos.

Tem horas que eu vou ter uma vontade danada de mandar o outro tomar bem no olho do $% dele, sabe? Vou querer dizer que ele é um merda e acho inadmissível o que ele faz. Vou querer ser palestrinha e ensinar pra ele a cartilha do que acredito.

Não só vou ter vontade, mas também vou fazer.

Tem horas que mesmo que eu não queira fazer, vai ser mais forte que eu e farei. E que eu aprenda a me responsabilizar por isso, bem como reconhecer o impacto de minha ação e fala.

Tem horas que lembrarei que tenho a opção de agir assim, ou assado, e viverei um lugar de escolha. Escolherei, inclusive, o caminho do diálogo e da empatia. De buscar menos razão, e mais conexão.

Se você acha que o que estou falando é dar carta branca para ser violento, pelamordadeusa, leia o texto do fazedor de chuva de novo. Por amor, vai. Ou fica com isso mesmo. Não tô a fim de tentar argumentar não. Se quiser, me conta no comentário seu incômodo.

Se você acha que isso tem a ver com vibração quântica espiritual dos deuses astronautas do achismo de alguém que relaciona física com espiritualidade e extrapola o quântico pra tudo…. lê o texto de novo. Não é sobre vibração e coisas pseudo quânticas malucas não. Não quero ofender você se acredita, só digo que não tem nada a ver com isso e reservo o termo quântico à física. Só isso. É que tenho porre quando leio sobre essas correlações. Desculpa.

Em meio ao caos e tempestades da polarização que nos aflige coletivamente, que encontremos nossa ordem nisso tudo. Sejamos um pouco desse fazedor de chuva.

Ah, isso não vai mudar o mundo não. Talvez a gente entre em extinção mesmo. Talvez a gente se mate na polarização. Talvez um doido aperte um botão e venha um inverno nuclear por aí. Espero que não.

– O que muda então, Sérgio?

Em meio ao meu 99% de descrença em nossa capacidade coletiva de cuidado e ação para reverter as merdas que estão aí, eu só consigo me apegar nesse 1% de esperança.

Vai que mais gente escolhendo ser um pouco mais desse fazedor de chuva, algo acontece. Vai que. Mas como não tenho bola de cristal, o que me faz sentido é seguir o meu caminho. Se chover, e uma colheita abundante surgir, que a colheita seja próspera.

Tudo isso, eu falo a nível individual. Quando entra a questão de papéis sociais que ocupamos (política, mídia, pessoas públicas e famosas, etc.), há de se considerar outras coisas mais. Isso é tema do curso. Vamos explorar bastante. Quem sabe outra hora conto sobre aqui.

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Nota importante sobre o TAO (extraído da Wikipedia):

Tao (em chinês: 道; Wade-Giles: tao; pinyin: dào) é o caracter chinês para Caminho. Dentro do contexto da filosofia tradicional e religião Chinesa, o Tao é o conhecimento intuitivo da “vida” que não pode ser apreendido completamente – tão somente – como um conceito, mas pode ser conhecido, no entanto, através da experiência de vida real, cotidiana. A ontologia do Tao difere-se da convencional (Ocidental), na medida em que ela se baseia numa prática ativa e holística da ordem natural da Natureza, com o seu despertar universal, em vez de um despertar estático ou atomístico. O Tao não é apenas um caminho físico e espiritual; é identificado com o absoluto que, por divisão, gerou os opostos/complementares yin e yang, a partir dos quais todas as “dez mil coisas” (ou todas as coisas) que existem no Universo foram criadas. O Tao é o princípio fundamental do taoísmo filosófico e religioso, fundado por Lao Zi.

Sergio Luciano
Um mineiro que gosta de conversar, aprender com o cotidiano e escrever. Investiga psicologia junguiana, comunicação não violenta, poder, privilégio, democracia profunda, dentre outros temas, para tentar entender um pouco mais esse negócio de relacionar-se com o diferente.
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