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A inteligência emocional não é resposta pra tudo, e precisamos aprender a lidar com isso

– Tempo de leitura: 3 minutos

Às vezes dizemos que basta ter mais inteligência emocional para não cometermos determinadas atitudes, e que a falta de controle nossa leva a ações impensadas. Seguindo essa lógica poderíamos dizer que tudo pode ser controlado, desde que sejamos hábeis o suficiente.

Doce ilusão. Essa premissa é um tanto arrogante e prepotente, pois reivindica ao espectro da consciência o poder supremo, que poderia ser atingido com muito treino e esforço, como se não houvesse outros fatores em questão. Tipo: o inconsciente.

Oras. Se consciente é aquilo que está em meu campo de percepção, [in]consciente (prefixo de negação) reflete aquilo que está fora do meu campo de percepção.

Veja. Se é inconsciente, é inconsciente mesmo. Não o sabemos. Pois, se sabido fosse, estaria na esfera da consciência. E, talvez, poderíamos ter uma ação direta sobre.

E vou além: se está inconsciente e não o sabemos, como podemos dimensionar o que ali está? Não podemos! Logo, não fazemos ideia nenhuma do tanto de coisa que direta ou indiretamente tem potencial de nos afetar e influenciar.

Ainda que nos dediquemos a nos desenvolver, só temos como mensurar o que estamos vendo. Sem métrica alguma para comparar com o que não pode ser visto.

Gosto de um exemplo bobo:

Dentro da gente tem um macaquinho bem ativo. Tem horas que ele vai lá onde fica nosso volante, assume a direção, sai fazendo estripulias, faz um estrago danado, bate na árvore, sai correndo, e deixa a merda pra gente limpar.

Quem nunca “saiu do corpo” e, depois, ao “voltar a si”, percebe o que aconteceu, e tem que lidar com os impactos disso? Em alguns momentos, há quem olhe para o ocorrido e diga: “Não era eu, eu jamais faria isso”.

PS: também tem atitudes bestas, idiotas, que fazemos conscientemente. Não responsabilizemos o inconsciente por todas as besteiras que fazemos, viu.

Ao invés de sairmos professando “fulano precisava ter mais inteligência emocional” para lidar com essa questão, que pode soar extremamente desumanizante, por sinal… te faço um convite.

1) Comecemos, primeiro, por reconhecer que foi uma atitude diferente daquela esperada pela pessoa, ou por uma coletividade.

2) Então, falemos sobre responsabilidade. Mesmo que não fosse “controlável”, algo infeliz ou indesejável, a pessoa tem responsabilidade. Seja uma ação consciente ou não.

3) Reconheçamos que uma atitude ou outra não define a inteireza de um ser humano, ainda que ele tenha algumas atitudes recorrentes e mais vistas, elas não são reflexo do todo. A gente, normalmente, toca uma pequena parte do que é o outro. Cristalizá-lo numa atitude é desumanizá-lo.

4) Em tempo: humanizar não significa desresponsabilizar. É possível falar sobre responsabilidade e respeitar o outro enquanto ser humano. E, em alguns casos, esse papo de humanização será desafiador, bem sei.

5) Reconheçamos que, talvez, exista um desafio a ser enfrentado. Uma atitude diferente poderia ser percebida como necessária e, quem sabe, alguma energia precisa ser investida para desenvolver-se em prol de possíveis novas atitudes no futuro.

6) Ahá!!! Aqui entra a inteligência emocional. Encontramos um desafio a cuidar, e outras atitudes possíveis a se desenvolver. Agora, se vamos dar conta de fazê-lo, é outra história. Cada um é cada um, e mudanças nem sempre são tão fáceis.

Veja que não é sobre reivindicar a inteligência emocional como resolvedora dos problemas que enfrentaremos ou estarmos preparados para toda e qualquer adversidade.

Quando nos abrimos um pouco mais à complexidade das questões sobre a psique, podemos perceber que não somos deuses da razão, e há muito mais para além do nosso pseudo controle.

É válido ter um trabalho constante de auto desenvolvimento, em busca de mais bem-estar. Certamente é massa sermos capazes de lidar com os desafios cotidianos. Crescer. Adaptar-se. Melhor viver. Melhor conviver.

Agora, definir uma régua que meça o quão emocionalmente inteligente somos, sendo que a experiência a gente só de fato descobre como será, no aqui e no agora?

Só cada indivíduo sabe as dores e delícias de ser quem se é. E, ainda assim, nem tudo, ou quase nada, sabe de si.

Menos cristalizações e determinismos. Mais conexão com o aqui e agora, e com a humanidade que transborda em cada acerto e desacerto de nossa breve jornada no que chamamos de vida.

Sou um cara com inteligência emocional alta? Sei lá!

Não nos julguemos pela pretensa capacidade de dar conta. Nos sensibilizemos e sejamos capazes de nos acolhermos uns aos outros, e nos apoiarmos, na incapacidade que inevitavelmente surgirá em algum momento.

De pressão em pressão, por eficiência e perfeição, a gente tem entrado em burnout e adoecido emocionalmente. Temos consumido a Terra vorazmente e contribuído ativamente para que num futuro próximo ela seja menos habitável. Temos nos consumido uns aos outros, e deteriorado as relações.

Mudemos uma chave. A do olhar.

Sergio Luciano
Um mineiro que gosta de conversar, aprender com o cotidiano e escrever. Investiga psicologia junguiana, comunicação não violenta, poder, privilégio, democracia profunda, dentre outros temas, para tentar entender um pouco mais esse negócio de relacionar-se com o diferente.
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