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Como navegar entre as fases de um conflito

– Tempo de leitura: 3 minutos

Conflitos são inerentes ao viver. E se não desenvolvemos nossa capacidade de sustentar o espaço de divergência que surge do conflito, a tendência é que cada vez mais a gente tape os ouvidos e dê as costas para o diferente e divergente, volte o olhar para aquilo que ressoa conosco e acirre a polarização que surge a partir do conflito.

Ter consciência sobre as fases de um conflito e compreender como nos relacionamos uns com os outros em cada uma dessas fases, tem sido fundamental no meu autodesenvolvimento, contribuindo para eu ter escolhas conscientes de como interagir a partir daquilo que emerge em mim, no outro e entre nós.

Compartilho com vocês hoje esse olhar para o conflito a partir da Psicologia Orientada a Processos, ou Processwork, que tenho estudado há alguns anos, na esperança de contribuir com sua caminhada.

A primeira fase do conflito é o não-conflito. Estamos nessa fase quando queremos aproveitar a vida e não existe espaço para os problemas, apesar de sabermos que os problemas estão ali à espreita, esperando uma brecha para ganharem espaço. Também é característica dessa fase a fuga de eminentes situações de conflito, seja desconversando, seja nos colocando superiores ao outro e dizendo “esse problema é seu e não meu, eu sou bem resolvido”, seja dando um sorrisinho amarelo e dizendo que tá tudo bem.

Perceba que falei sobre nossas atitudes diante dos problemas e conflitos. O fato de não querermos abordá-lo em determinado momento não significa que um conflito já não esteja cozinhando abaixo da superfície faz tempo. Qual foi a última vez que você explodiu e soltou os cachorros com alguém, por uma série de coisas que estavam acumuladas e não havia abordado antes? Comigo, foi essa semana!

A segunda fase é o conflito em si. Aquele momento em que vem à tona a tensão e polarização, que variam em intensidade a partir da forma que cada parte envolvida vivencia a situação. Algumas características marcantes dessa etapa são a defesa e/ou imposição de pontos de vista, justificativa das próprias ações, acusação do outro.

Como desfecho dessa fase, muitas vezes, rolam rupturas, com as partes envolvidas cheias de certezas sobre si e sobre o outro. Algumas pessoas levam consigo um senso de inadequação enorme se colocando no lugar de erradas. Outras, alimentam a ideia de que o outro é um inimigo e nada pode mudar isso.

Ainda há situações onde mantém-se as relações às custas do silenciamento de algumas pessoas envolvidas. Estas, como forma de manter a relação (seja amorosa, seja de trabalho, seja um grupo) que consideram importante, guardam seus desconfortos sob a alegação de que está tudo bem, internalizando o conflito. Algumas vezes, nossos corpos gritam esses silêncios. Adoecemos. E acreditamos ser um “preço justo” a se pagar para manter uma relação.

Tem horas que conseguimos dar um passo além e nos escutarmos. E chegamos na fase três. O momento em que reconhecemos que temos nossas perspectivas e valores, e que o outro também o tem. Percebemos que escutar o outro não significa abrir mão daquilo que acreditamos. Significa, tão somente, reconhecer que somos diferentes e nos abrirmos à possibilidade de encontrar caminhos que contemplam ambos.

Uma provocação que sempre faço em relação a essa fase três é: “e se a gente pudesse encontrar 1% de verdade na acusação do outro, como seria?” De forma prática, isso significa que muito mais que nos defendermos de uma acusação que julgamos inapropriada, na fase três estamos dispostos a olhar para o que leva a outra pessoa a dizer aquilo.

Se, nesse momento, você começou a pensar “mas, olha só… tem coisas que não tem como…”, quero carinhosamente dizer que nesse momento você voltou para a fase dois.

Essa brincadeira que fiz agora é justamente para lembrar que a gente transita entre as fases o tempo todo, muitas vezes sem perceber. Tem horas que vamos dizer, por exemplo, “tô de saco cheio, não vou mais lidar com você não”, e vamos para a fase um. E por aí vai.

E tá tudo bem voltar pra fase dois. Ou pra fase um. E tomar consciência disso, acho mais bacana ainda. Escolher conscientemente como vamos viver o conflito, as situações do cotidiano, ao invés de sermos levados pelo conflito.

Tem momentos que a gente dá um passo além, e chega na fase quatro. Nesse momento não existe certo e errado, um lado ou outro. Existe, tão somente, um senso de conexão com o outro e com nós mesmos. Unicidade. Como exemplo, imagine uma situação onde você teve um mal entendido com alguém e, após se escutarem, o mal entendido foi resolvido. Repentinamente, dão uma gargalhada ao mesmo tempo. Se olham. Relaxam. Possivelmente voltem para a fase um. “Tudo está bem” novamente, até que um novo conflito emerja.

Tome um tempo essa semana para refletir sobre algumas situações cotidianas. Pode ser algo pelo que está passando, ou que já passou. Perceba em que fase está, ou como passou por elas. Descubra o que de fato muda, pra você, ao integrar esse olhar.

Texto do Sérgio publicado quando escrevia para o UOL ECOA, nesse link aqui.

Sergio Luciano
Um mineiro que gosta de conversar, aprender com o cotidiano e escrever. Investiga psicologia junguiana, comunicação não violenta, poder, privilégio, democracia profunda, dentre outros temas, para tentar entender um pouco mais esse negócio de relacionar-se com o diferente.
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