Saia da zona de conforto

Quando o contraditório deixa de valer, para você?

– Tempo de leitura: 3 minutos

Somos precipitados em nossas conclusões. Perdemos de vista o invisível que acontece entre as relações. Nos afundamos em moralismos. Começamos a generalizar e misturar alhos com bugalhos. Pegamos um termo aqui, outro acolá, fazemos nosso próprio Frankenstein para justificar nossa repulsa. Perdemos o espaço reservado ao diálogo. Emitimos sentenças. Construímos muros. E toda e qualquer palavra diferente do que pensamos, se torna um ataque.

No direito, do nada que eu sei, existe o contraditório e a ampla defesa. Vou resgatar aqui um recorte curtinho sobre, presente no verbete da Wikipédia:

“Exprime a garantia de que ninguém pode sofrer os efeitos de uma sentença sem ter tido a possibilidade de ser parte do processo do qual esta provém, ou seja, sem ter tido a possibilidade de uma efetiva participação na formação da decisão judicial (direito de defesa). O princípio é derivado da frase latina Audi alteram partem (ou audiatur et altera pars), que significa ‘ouvir o outro lado’, ou ‘deixar o outro lado ser ouvido bem’.”

Vou frisar três coisas aqui:

– Audi alteram partem
– Ouvir o outro lado
– Deixar o outro lado ser ouvido bem

Não tô pagando de jurista ou nada do tipo. Gente do direito, perdão por “sequestrar” o termo jurídico aqui. Só trouxe como gancho de conversa. Sigamos.

Adicional, relembremos ‘Artigo 5º, LVII’ da nossa Constituição Federal.

-“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”

Esse nadinha de coisa, é tudo que a gente não faz.

TUDO. QUE. A GENTE. NÃO. FAZ.

Veja bem. Eu não quero dizer que tu não pode ter uma opinião formada sobre os outros, sobre as atitudes dos outros. Aliás, que bom que temos nossas opiniões formadas, ou deformadas, sobre as coisas. Melhor ainda, se as opiniões forem permeáveis, maleáveis, mutáveis, adaptáveis. Não todas, claro. Não facilmente, óbvio.

Muito melhor se a gente lembra que termos opiniões permeáveis e discutíveis não significa abrirmos mão do que acreditamos. É, tão somente, se permitir dialogar.

Vivemos num tribunal da internet. Nele, há um juiz onipresente, mas polimorfo. Se molda ao eco das vozes que juntas ressoam e são capazes de evocar a justiça num único avatar. O juiz da vez. O juiz dos trending topics.

Nesse tribunal, o contraditório é persona non grata.

A Constituição é um enfeite. O martelo da sentença está ao nosso bel prazer. E a justa medida é o quanto nossa raiva precisa para se satisfazer.

O problema é que a raiva se multiplica. Domina outros corpos. Não se satisfaz. Ela adormece. E depois de um tempo adormecida… imagina a fome com a qual ela acorda. Se não em nós, no outro. Aquele que, outrora, não foi visto, por incorporar o contraditório.

Não há resposta simples para a complexidade do viver em sociedade. E, por não haver resposta simples, me preocupa nosso apressado julgamento sobre tudo e todos.

Talvez até possa fazer sentido a gente assumir o martelo em nossas mãos e reivindicar as sentenças de forma tão irrefletida e prematura, … o problema é não estarmos preparados para quando essa ideia for levada às últimas consequências, e o martelo trocar de mãos.

Afinal, não é só da nossa vontade, ou de um grupo, que se constrói a sociedade…


PS1: Esse texto não endereça o cuidado e debate sério sobre como reduzirmos e/ou acabarmos com as assimetrias do sistema merda no qual vivemos, que marginaliza milhões de corpos, por ser quem são. Ele endereça um moralismo bobo que, ainda que bem intencionado, estica cordas, contribui para mais polarização e afasta muita gente de uma conversa sobre possíveis ações afirmativas e de transformação.

PS2: Escrevo para provocar, nem sempre para passar a mão na cabeça. A gente, que se identifica como progressista, às vezes precisa pensar criticamente, descer do salto, e aprender a conversar. Principalmente se você tem privilégios que acariciam suas costas, e a surra não vem no seu lombo.

PS3: Nem toda missão dos aliados é guerrear. Larga esses filmes aí de tiro, porrada e bomba. A vida não é ficção. Às vezes, um bom aliado, é aquele que se coloca numa posição de escuta e mediação, apesar da sede de sangue de alguns aliados mais emocionados.

Sergio Luciano
Um mineiro que gosta de conversar, aprender com o cotidiano e escrever. Investiga psicologia junguiana, comunicação não violenta, poder, privilégio, democracia profunda, dentre outros temas, para tentar entender um pouco mais esse negócio de relacionar-se com o diferente.
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