Saia da zona de conforto

E se houvesse 1% de verdade no que o outro diz?

– Tempo de leitura: 4 minutos

Se houvesse 1% de verdade naquilo que o outro diz, e que profundamente discordamos, o que seria?

Essa pergunta é um dos eixos centrais do curso que estou facilitando faz algumas semanas e que se chama “TRETA – da polarização ao diálogo”.

Eita perguntinha despretensiosa, mas danada de desafiadora, viu.

Quanto mais uma pessoa representa algo totalmente distante daquilo que eu acredito, mais esse exercício se torna difícil. Às vezes, impossível. Ao menos, aparentemente impossível. Melhor dizendo, impossível se seguimos nas mesmas premissas que estamos acostumados a carregar.

Durante o curso vamos, aos poucos, expandindo nossa possibilidade de escolha diante dos estímulos que recebemos, sabe? Tipo, se antes a minha melhor estratégia era mandar o outro tomar no cu, discutir e sair na porrada (literalmente), talvez agora exista uma possibilidade de escolha entre escutar e brigar.

Não é uma escolha fácil. Não é pra todo mundo. Não é obrigação. Se obrigação fosse, escolha não seria.

Uma coisa que a Comunicação Não Violenta e Psicologia Orientada a Processos (Processwork), dois campos de estudo que investigo, tem em comum, é a compreensão de que as estratégias que temos (ações e falas) são apenas uma parte da história. Para além delas, existe algo mais sutil, comum a ambos os envolvidos numa situação.

A CNV vai chamar de “Necessidades”. O Processwork vai chamar de “Mundo onírico” e “Nível da essência”.

Em ambos, a premissa é de que nessa camada superficial reside o potencial de divergência, dado que cada ser humano tem suas preferências e formas de agir, que vai cultivando e transformando com o tempo. Enquanto na camada mais abaixo da superfície estão as nossas motivações, o impulso de cuidado com o que nos é importante.

Se no nível mais superficial eu escolho azul porque acho mais bonito, e você verde, pelo mesmo motivo, a gente vai discutir ferrenhamente na hora de decorar a casa.

No nível mais profundo talvez a gente perceba que beleza é algo que buscamos, e as cores representam essa beleza. Aliás, também queremos uma sala confortável (conforto) e agradável (tranquilidade e descanso), representada nas cores que compõe o ambiente.

De forma bem rasa, porque não tô escrevendo uma tese aqui, é isso. No curso exploro muito mais nuances do que constitui cada um dos níveis que aqui cito.

Pausa: isso foi um merchan na cara de pau, tá? Ademais, é muita coisa mesmo pra uma postagem dar conta.

Voltemos à pergunta:

Se houvesse 1% de verdade naquilo que o outro diz, e que profundamente discordamos, o que seria?

Aqui, nesse exemplo, ambos querem cuidar do próprio bem-estar. Talvez, do bem-estar de outras pessoas também. Quem nunca achou que a cor que adora seria uma ótima cor para agradar também aos olhos, e alma, dos outros?

Tá. Substitua a cor por qualquer coisa que você tenha convicção de que é ótimo e o mundo seria melhor se escutassem e acolhessem esse ótimo. Que, de tão óbvio que ótimo é, dá até uma raivinha (ou raivona) de saber que os outros não percebem esse seu óbvio.

Acolher esse 1% de verdade significa legitimar momentaneamente o desconforto e discordância do outro, ainda que insano nos pareça, em busca do que está abaixo da superfície. Afinal, nossa discordância é sabida. O que não enxergamos é o que está em sua profundidade.

O DESAFIO: lembrar que é possível discordar e escutar, ao mesmo tempo. E acolher a legitimidade momentânea, na troca que estamos tendo, não significa validar o discurso como verdade.

– Fulano, você sabe que eu discordo bastante disso, né? A gente briga (e está brigando) sobre isso. Nem sei se conseguimos chegar num consenso sobre as opiniões. Ao mesmo tempo, acho que você tem algo importante que quer cuidar com isso que traz. E tenho interesse genuíno em me conectar com isso.

Discordar e buscar conexão. Dentro do que estudo, gosto de chamar isso de humanização.

– E o que a gente resolve de nossas TRETAS da vida, fazendo isso, Sérgio?

Sinceramente, acho que não resolvemos nada.

Quer dizer, se entendemos que resolver significa convencer o outro de que ele está errado e que o tom da sala precisa ser verde (ou azul) porque assim o é, acho que não resolvemos nada.

Entretanto, estudando sobre conflito e polarização, e sobre psique, tenho aprendido que antes da conversa sobre possíveis resoluções, ou aplicação unilateral do que seria a melhor solução de acordo com alguém, talvez faça sentido existir um espaço de construção.

Construção. Construção da relação. Construção do alicerce que sustentará aquilo que depois virá.

E o que virá depois?

Uma vez construído o alicerce, tenho esperança que a gente possa decidir junto quais paredes, portas, janelas, telhados e cores, podem coexistir para que fique um ambiente minimamente, ou suficientemente, agradável para todos.

Talvez isso signifique ter uma salinha menor azul, outra verde. Talvez signifique ter uma composição destas duas cores. Talvez signifique abrirmos mão e escolhermos amarelo. Rosa choque. Talvez signifique um alicerce maior e construir duas casas no mesmo terreno, e ter uma churrasqueira em comum.

Resgate aqui sua criatividade e imagine todas as possibilidades que podem surgir. Porque, no final das contas, o alicerce nos permite a segurança necessária para, sobre as demais coisas, divergir, debater, dialogar.

– Tá! Muito fofo! Lindinho. Mundo da lua, né? Como se faz isso no país?

Meu filho, tu acha que eu vou ser prepotente de dar uma solução simples e fácil para toda uma nação fundada na diversidade, diversidade essa construída baseada também na exploração, assassinato, subjugação e afins? Tu tá é doido.

Porém, sei que nações são feitas de pessoas.

Se criamos alicerces em nossos micromundos, com aqueles com os quais diretamente nos esbarramos, e um espaço de construção conjunta começa a surgir, eu já tô mais que satisfeito.

Agora, também podemos dialogar sobre possibilidades de ação e construção a partir de pessoas que representam papéis na sociedade de grande impacto e responsabilidade, que suas decisões são influência na construção do que entendemos enquanto coletividade.

Porém, isso é um papo diferente, ainda que tenha como alicerce tudo isso que eu disse até agora.

E se chegou até ao final achando que eu defini uma verdade e tudo isso que eu trouxe precisa ser seguido, respira fundo e desencana. Sou só mais um na fila do pão, tentando pensar outros mundos possíveis. Fazendo convites irrecusáveis e adocicados com fartas colheradas de esperança.

Aos ditos sábios (ou tolos) deixo a pretensa ideia de que A RESPOSTA encontraram. Não sou da realeza. Até porque, nela não acredito.

Sergio Luciano
Um mineiro que gosta de conversar, aprender com o cotidiano e escrever. Investiga psicologia junguiana, comunicação não violenta, poder, privilégio, democracia profunda, dentre outros temas, para tentar entender um pouco mais esse negócio de relacionar-se com o diferente.
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