Tem características minhas que não gosto de jeito nenhum. Acho que deveriam ser totalmente eliminadas.
Uma delas, é minha indisposição em entrar em conflito. Só de pensar na possibilidade de um conflito o coração começa a bater mais forte e as caspas pulam que nem pipoca. Me sinto cansado.
Hoje, comecei a perceber conscientemente que tenho buscado outras perspectivas para esta característica minha. E foi um alívio. Compartilho dois aprendizados a partir disso.
1. Aquilo que sou hoje é a soma de minhas experiências anteriores.
Essa indisposição em entrar em conflito tem raízes na forma como fui educado e como vivenciei conflitos na minha vida. Minha vida é marcada por conflitos familiares.
Quando pequeno, os vivenciava sem perceber, pois não tinha cognição suficiente para compreender o que se passava.
Ao crescer, comecei a perceber os conflitos e, muitas vezes, comecei a ter reações agressivas e violentas para conter outras violências. Com isso, a cada possibilidade de conflito uma série de gatilhos disparam dentro de mim e meu corpo entra em estado de alerta.
Acabo de perceber isso, escrevendo essa reflexão.
2. Minhas características são o que são, parte de um ser integral.
Aprendo dia-a-dia a transcender o olhar de certo e errado que tenho sobre mim mesmo. Essa polarização constante entre como me percebo e como eu acho que deveria ser.
Quando falo pra mim mesmo “Você vive fugindo dos conflitos e não é capaz de ter uma conversa difícil sem querer colocar panos quentes”, começo por acolher essa voz.
A resposta que antes era “Sim, seu estúpido e idiota, você TEM QUE aprender a viver os conflitos” começa a dar espaço para “Quais qualidades essa tendência em não entrar em conflito, pode ter?”
Vejo que ela me ajuda a ser mais diplomático, tentar um caminho de compreensão interna e acolhimento da outra pessoa. Com isso, consigo estar mais presente e menos reativo.
Essa é uma das luzes do que julgo como minhas sombras. E, de fato, a parte sombra talvez seja que eu fique inerte, tenda a fugir ou fingir que está tudo bem e internalizar violências.
Ou seja: quando amplio o olhar para esta característica, consigo ver os benefícios e desafios dela. Ela passa a ser algo a se integrar e não extinguir.
Olhar para as características que não gostamos e torná-las vantagens, nos apoia a sermos mais inteiras e inteiros, com aquilo que somos.
Quando crio espaço interno para acolher a diversidade que sou, não só as características que gosto (ou que a sociedade diz serem boas), também consigo ser mais acolhedor com a diversidade ao meu redor.
Assim, o outro começa a deixar de ser “só o outro”. Por mais que tenha aquela parte de uma pessoa que não aceito de jeito nenhum, me ponho a lembrar que ela é muito mais que esse lado. E isso não significa amá-la e ser seu melhor amigo. Talvez a questão seja criarmos cada vez mais espaço para todas e todos sermos inteiros, e nos adequarmos na medida do que o convívio social nos pede.
Olhar pra dentro não é uma tarefa fácil. Exige um esforço consciente. Cada encontro com o Sérgio que nego ser, que quero separar de mim, é uma luta e um luto.
Porém, cada vez que refaço esse exercício de acolhimento de mim, se torna mais leve. Ou menos pesado, talvez.
No balanço final, me sinto mais pleno com aquilo que sou, e posso usar minha energia de vida com mais inteireza para caminhar nessa fração de tempo que chamamos de vida.
CONVITE
1. Escolha uma característica sua que não gosta. Não precisa ser aquela mais extrema, comece por algo mais suave.
2. Investigue sua história. Quais situações do passado, a partir da infância, contribuem para você tê-la?
3. Quais benefícios esta característica pode trazer para sua vida, hoje? Para seu caminhar?
4. Quais pontos de atenção você acha importante ter com essa característica? Que ações pode ter para cuidar disso?
5. O que muda para você a partir desta tomada de consciência?
PS:
Reconheço o privilégio e as possibilidades que contribuem para eu ter tranquilidade para olhar pras minhas sombras. Nem sempre toda pessoa tem essa possibilidade de olhar pra dentro com essa tranquilidade.
Acho fundamental redes de apoio e espaços onde essa investigação possa ser apoiada. Seja em encontros de grupo, seja com atendimentos psicológicos ou terapêuticos, com escutas empáticas preparadas para acolhimento.
De minha parte, me toca contar sobre um olhar diferente pra si, na esperança de contribuir com a desconstrução de um imaginário coletivo que devemos nos adequar ao que está fora, às custas daquilo que somos.