Uma pessoa teve talvez 3 ou 4 minutos de leitura de algo que escrevi. Seu viés de confirmação a levou a uma construção do Sérgio de tudo aquilo que ela acha que represento, diante de todas as projeções feitas diante do que leu. Sem perguntar nada, me definiu. Bateu o martelo. Até contou pros amiguinhos quem eu era. Ou melhor, quem ela apreendia de quem eu era. Quer dizer, quem ela achava (ou tinha certeza) de quem eu era. Projeções.
Mas ela não tocou quem eu sou (aliás, nem eu sei quem sou). Talvez, não se interessou. Interesse mesmo, normalmente, nos dias atuais, parece existir só em quem ressoa com a gente. Quer dizer, em quem confirma o que a gente quer que seja confirmado.
No rap, tem um conceito que se chama Diss. Também conhecida nos Estados Unidos como diss track (literalmente traduzida por canção de insatisfação) é uma canção criada com o único propósito de expor e insultar uma pessoa ou um grupo de cantores. Normalmente direcionada àqueles com quem temos desavenças.
Eu não sei escrever rap. Tampouco, gosto de sair insultando os outros em voz alta. Deixo meus insultos para as paredes que me ouvem. Respiro e sigo minha caminhada.
Minha Diss se torna escrita sobre o que me é importante. Direcionado ao mundo que quero construir. Propositiva. Provocante, talvez. Mas propositiva. A Diss da semana saiu com o nome de “Reunião de Condomínio”. A leitura começa no próximo parágrafo.
Vou te confessar uma coisa: escolher dialogar com diversas vozes dentro de mim e dar vazão a elas, é um saco.
Eu não sei você, mas eu tenho dentro de mim uma reunião de condomínio que fica 24h por dia olhando pro que acontece à minha volta (inclua aqui o mundo todo que recorto a partir de qualquer coisa que me chega pelas mídias sociais e portais de comunicação).
Tem uma voz que deseja que tudo exploda e classe média (eu incluso) pra cima sinta na pele o medo, dor, dentre outras coisas, para talvez as coisas melhorarem no país.
Eu tenho um lado cagão que se apega aos privilégios que tenho e grita, logo em seguida: – Mermão, tem que ter outra saída… tá quentinho esse lugar que eu tô. Eu faço algumas concessões, mas…
Tem um outro mais conciliador que chega e diz que no diálogo reside a nossa saída, se prezamos pela democracia.
Aí chega o moralistão, que diz que minha tentativa de diálogo é vã e muita gente vai morrer em meio a esse diálogo. Que eu não tô fazendo nada pra contribuir e o buraco é mais embaixo.
Nessa hora, vem o desiludido e diz que não adianta, não sabe o que fazer e tá perdido. Que não sabe a quem escutar.
Antes mesmo do desiludido terminar, vem o moralistão de novo e já encaixa um “pelo menos você ainda tem como se desiludir e se alimentar ao mesmo tempo, né.
Vem o fatalista, bate o pau na mesa e diz que a vida é sofrimento mesmo, e que tem zero esperança de que algo mude. Que o ser humano é um pacotinho de merda, e que às vezes aparecem flores. Diz que tudo está perdido.
Aí o cansado, com sua característica cara de bunda, fala: “gente, eu só queria um descanso disso tudo e tentar viver um pouco sem me preocupar com outras coisas”.
O moralista aproveita a deixa, estufa o peito… mas fica quietinho quando todos os outro condôminos olham de cara feia pra ele.
Quando o egoistão fala, muitos ali franzem a testa. Mas ele diz em alto e bom som: “foda-se o mundo, eu quero cuidar de mim caralho. Dá um tempo”. O bicho é grosseiro gente.
Vem o esperançoso com um sorriso no rosto e pede pra todo mundo se manter firme, que ainda há… adivinha: ESPERANÇA.
Nessa hora chega um moço com suas barbas longas, brancas (dizem ser o sábio) e diz que o luto é importante nessa caminhada, e aprender lidar com o desafio da impotência é um caminho árduo.
Rola um silêncio, né. Momentâneo.
Chega o escrivão. O bicho que anota tudo que tá rolando e envia uma ata pra uma tal de consciência, que ali dentro ninguém nunca viu. Só o escrivão troca ideia com ela. O escrivão diz que tá tudo anotado e verifica se alguém mais tem algo a dizer na reunião.
O escrivão manda pra consciência o que conseguiu anotar. Sabendo que é só um rascunho mal feito e 99% das coisas devem ter se perdido no caminho do inconsciente à consciência. É uma via obscura, que ele mesmo desconhece o que ali acontece.
Diante disso tudo, às vezes sai um texto meu. Um recorte de uma caralhada de vozes que gritam o tempo todo nessa reunião de condomínio que nunca para.
Eu costumo dar vazão às vozes do conciliador, presentes na ata. Acredito que o conciliador tenha uma presença maior por um histórico meu de vida, e pelos estudos que faço. E também por ser o lugar do qual eu acredito que me faz sentido contribuir.
As outras vozes tem um ciuminho, sabe? Elas ficam meio ressabiadas com o conciliador ganhando espaço de fala. Dizem que rola um lobby delas para passar o rodo no conciliador e alguém assumir o controle.
Às vezes estas vozes ficam num lugar quentinho também. Isso acontece quando outra pessoa modula estas vozes e joga na cara do conciliador que isso só não basta. Bem, não é dito com estas palavras. Vem mais embolado, num balaio de gato.
Oras chega como uma desqualificação. Outras, como argumento ad hominem. Vem na forma de perguntas provocativas. Às vezes num comentário despretensioso. O mundo com qual me relaciono modula estas vozes que também vivem em mim. E tiram um pouco o conciliador do lugar de arrogância de achar que tudo é conciliação o tempo todo.
Só eu que sou meio doido assim, com essas coisas? Ou tu tem essa reunião de condomínio aí, com tuas próprias vozes, e com aquela que se acha a mais maneira e domina a ata?
Parte minha se entristece com reducionismos de um indivíduo a um recorte tão breve que criamos dele. Me incluo nesse reducionismo, viu.
No fundo, tô ligado que aquela frase manjada do “bateu e doeu, leva que é teu” tem um muito de verdade, e que implicações de terceiros com aquilo que vem de nós, diz muito sobre quem se implica.
Ao mesmo tempo, o que o outro traz chega para dialogar com aquilo que tem dentro de mim. E, normalmente, quando me ouriço e tendo a me defender, tem uma voz interna minha que eu teimo também em silenciar e ressoa em alguma medida com o que a fala e postura do outro significam subjetivamente pra mim.
Talvez esse “bateu e doeu, leva que é teu”, tem uma via de mão dupla constante.
Escrever é o jeito de processar as raivinhas e inquietações que me surgem. De dialogar com meu lado odioso que quer apenas apontar o dedo na cara do outro e soltar um gostoso vai se foder.
Dialogo com essa raiva. Deixo ela existir. Ainda bem que paredes não tem ouvidos (espero). Depois de viver essa raivinha, às vezes dá vontade de escrever.
Na real, eu coleciono comigo algumas perspectivas que me soam plausíveis do como a sociedade precisaria se organizar para darmos conta de nossos complexos problemas oriundos do relacionar-se.
Mas, o que mais me dá tesão de escrever mesmo, é sobre como eu (e tantas outras individualidades) se relacionam, ou podem se relacionar, com isso tudo. Sobre eu implicado no mundo. Sobre o mundo implicando comigo.
A voz que acredita que tenho que fazer algo mais pelo coletivo usando os meus privilégios, tá aqui gritando. E às vezes outros gritos de fora ecoam com esse. Esse é o preço que tenho pagado pela busca do “ser quem se é”. Vulgo, encontrar a minha individualidade em meio à coletividade.
E posso ser sincero? A segunda voz mais latente em mim é a fatalista. Ela só não se torna tão grande porque a esperança me aquece o coração. Em meio a todas as minhas vozes e incoerências, sou só mais um na fila do pão.
Felizes aqueles que detém na ponta de língua a Verdade. Deve ser gostoso estar certo de tudo. Um dia me ilumino, quem sabe. Vai que Jesus encarna em mim.