Qual foi a última vez que você escutou algo difícil, pelo qual outra pessoa estava passando? Consegue se lembrar de sua reação e de como tentou contribuir com o bem-estar desta pessoa?
Algumas pessoas prontamente gostam de trazer as soluções que funcionaram para elas…
“Olha, eu sei bem como é isso. Já passei por algo assim. Seguinte, faz isso, isso e aquilo que resolve, ou ao menos melhora.”
Com a melhor das intenções, existe o risco de oferecermos uma “fórmula mágica” que sequer sabemos se funcionaria para a outra pessoa. Inclusive, sem saber se ela estava disposta a escutar uma opinião naquele momento.
Há pessoas que, tentando oferecer apoio, buscam tornar a percepção da dor menor…
“Poxa, não fica assim. Já vai passar, você vai ver. Talvez nem seja tão grande se olharmos por outra perspectiva.”
Também cheio de boa intenção, esse apoio pode chegar como uma tentativa de minimizar a dor da outra pessoa e negá-la o direito de sentir aquilo que sente, na intensidade que a dor se manifesta.
Estas são algumas reações cotidianas, que muitas vezes ocorrem no piloto automático. Muitas vezes fazemos assim porque aprendemos que essa é a melhor forma de lidar com a dor.
Porém, também existe oportunidade de estar presente, antes de qualquer coisa. Escutar, sustentar esse espaço para a dor estar ali, sem querer sumir com ela. Sustentar espaço para que a pessoa se expresse com aquilo que está vivo, por mais difícil e doloroso que seja.
– Mas… como assim… eu tenho que deixar a pessoa sofrer com essa dor?
Não, não necessariamente! Acreditamos, antes de tudo, na autonomia e poder de escolha de uma pessoa. Em ela poder dizer o que é importante pra si.
Há quem diga que gostaria de um conselho. Há que precise de fato de apoio para ver que talvez a situação não seja tão grande como parece. Há quem queira principalmente um abraço. Há ainda quem esteja precisando apenas falar e ser escutado.
A principal mudança que propomos é para, antes de tomar qualquer ação que nos parece óbvia e uma ótima saída, escutar o que a pessoa gostaria.
Um exemplo:
“Nossa, terminei meu relacionamento de dois anos e meio. Estou bem triste com essa situação, um tanto perdido/a.”
Reação 1, minimizando a dor: “Ah, que isso! Não é nada. Essa pessoa nem deve estar se importando com isso agora. Vamos tomar uma cerveja e começar um novo capítulo…”
Reação 2, estando a serviço do outro: “Nossa, fiquei surpreso com esse término. Fico preocupado e até sem reação, e gostaria de saber como poderia contribuir com você, se é que há algo que eu possa fazer…”
Pode ser que ao ter a dor minimizada, nessa situação, a pessoa disfarce um sorriso e aceite seu convite para tomar uma cerveja e deixar pra lá, no fundo querendo enlutar o que aconteceu e receber outro tipo de apoio.
Numa situação de fragilidade e dor, nem sempre quem passa por isso vai se expressar abertamente. E quando escutamos desse lugar de ‘eu sei o que é bom pra você’ a chance de sermos violentos de forma invisível, é bem grande.
Esse é um exemplo, dentre inúmeros, onde criar espaço para a dor existir e a própria pessoa escolher como caminhar, pode contribuir para o bem-estar e autonomia da pessoa. Ainda que isso significa, antes de tudo, sentir essa dor por algum tempo.
Quando marginalizamos aquilo que emerge em nós, existe o risco de criamos um senso interno de inadequação, dizendo o que “devemos” e “não devemos” sentir e expressar. E, consequentemente, projetarmos nas pessoas ao redor esse mesmo senso de inadequação.
Como lidamos com a dor do outro diz muito sobre como lidamos com nossas próprias dores.
Mais que um convite para fazer algo diferente, definir um certo ou errado, este é um convite para olhar conscientemente para nossas ações. E, a partir daí, fazer escolhas conscientes de como nos relacionarmos com nós mesmos e os outros.