Empresas, é hora de mudar!

A transformação das organizações ao longo da história

– Tempo de leitura: 5 minutos

Ouvimos e lemos que o ambiente organizacional está adoecido, que empresas precisam mudar a forma de se relacionar com colaboradores, com o meio ambiente e com a sociedade. Ao mesmo tempo, escutamos que não há como mudar essa mentalidade consumista e voraz, que as empresas existem apenas para o lucro e ponto final. Que toda tentativa de mudança é mero idealismo e utopia.

Acontece que a forma como vemos o mundo e o “jeito de ser” das organizações sempre caminharam juntas e evoluíram ao longo de dezenas de milhares de anos. Porém, assim como aprendi no Taoismo, há mudanças que ocorrem tão rápido que nem vemos, enquanto outras são tão lentas que não percebemos que estão acontecendo.

No livro “Reinventando as organizações” Frederic Laloux nos presenteia com a possibilidade de enxergar esta evolução das organizações ao longo da história, como chegamos até os dias atuais e vislumbres de para onde seguir.

Os primeiros agrupamentos sociais

Começamos entre os anos 100.000 AC e 50.000 AC. A humanidade vive em pequenos bandos familiares formados por algumas dezenas de pessoas e a procura por alimentos é a base da subsistência. As pessoas não têm o ego completamente formado, não se percebem como inteiramente distintas dos outros ou do meio ambiente e a capacidade de lidar com a complexidade dos relacionamentos é muito limitada.

Este é um modelo de convívio que não requer divisão do trabalho e, portanto, não há nada que se assemelhasse a um modelo organizacional.

O surgimento das tribos e a percepção do eu

Chegamos em 13.000 AC. As pessoas começam a se organizar em tribos de até algumas centenas de pessoas. Já existe uma diferenciação física e emocional entre o “eu” e os outros.

As relações de causa e efeito não são bem compreendidas e isso abre precedentes para um misticismo repleto de espíritos e magia. A chuva é sinal de bênçãos. Estiagens são castigos. O “eu” é visto como o centro do universo.

Ainda não existem organizações neste estágio e a divisão de tarefas permanece bem limitada, embora os mais velhos detenham status especial e já impõem um certo grau de autoridade.

As primeiras organizações

O ano é 8.000 AC. O ego já está totalmente pronto e as pessoas têm um senso de si completamente distinto dos outros e do mundo. Ao se perceberem separadas, o mundo se torna um lugar perigoso e suprir as próprias necessidades depende da força e resistência.

O poder é a moeda de troca (dominação dos mais fortes sobre os mais fracos), as pessoas ainda são em boa parte ignorantes em relação aos sentimentos umas das outras e existe uma visão dual e simplista de “meu jeito” e “seu jeito”.

Aqui também começam a surgir as primeiras formas de vida organizacional, por meio de uma divisão significativa do trabalho. Existe agora um chefe e seus soldados. Sem hierarquia formal ou cargos, este se cerca de familiares, por tenderem a ser mais leais, e usa aquilo que ganhou nas guerras como moeda de troca para a formação de alianças.

A escravidão pode ser vista em larga escala, com atividades sendo repassadas para inimigos derrotados e aprisionados. O uso da força é a estratégia para garantir a ordem e continuidade da organização.

A agricultura e os processos de trabalho

4.000 AC, Mesopotâmia. Início da era da agricultura, dos Estados e civilizações, instituições e religiões mais estruturadas. Com o advento da agricultura é possível um cultivo que alimente uma gama maior de pessoas e começa uma organização social e divisão de tarefas ainda maior: legisladores, administradores, sacerdotes, guerreiros, artesãos, etc. Surgem as primeiras organizações.

Neste momento existe também uma percepção mais profunda acerca dos sentimentos e perspectivas de outras pessoas, surgindo também os padrões de aprovação, aceitação e pertencimento a círculos sociais.

As organizações aqui se caracterizam por uma perspectiva de longo prazo, vista a invenção dos processos e procedimentos, que podem ser facilmente replicáveis e difundidos por toda uma organização. Foram estas organizações que construíram sistemas de irrigação e pirâmides, que comandaram navios, postos de troca e plantações do mundo colonial.

Existe a premissa de que há um jeito certo de fazer as coisas e o mundo é (ou deveria ser) imutável. Quando o contexto muda e aquilo que sempre foi feito para de funcionar, estas organizações têm dificuldade em aceitar e lidar com a mudança.

A Igreja Católica foi construída nesse paradigma. As grandes corporações da Revolução Industrial seguiram este modelo. A maior parte das instituições governamentais, escolas públicas, instituições religiosas e militares de hoje são geridas a partir dessa visão.

Tempos modernos

Século XIV. Durante o Renascimento, a ideia de um universo fixo e governado por leis imutáveis começa a ser transcendido por um olhar que busca mais compreensão da complexidade do universo no qual vivemos e do universo que cada um de nós é.

Com o Iluminismo (século XVII) e a Revolução Industrial (Século XVIII) esse pensamento começa a emergir em grande escala nos círculos sociais mais instruídos. Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) a população ocidental, em maior escala, começa a compartilhar desse novo paradigma.

A investigação científica, a inovação e o empreendedorismo deram um salto. Num piscar de olhos chegamos a um nível de prosperidade jamais visto. A expectativa de vida aumentou em décadas. A tecnologia trouxe diversas melhorias.

Esse paradigma também trouxe seus desafios e sombras, como a ganância corporativa, o acúmulo de capital, a exploração excessiva dos recursos do planeta e das pessoas, e outros desafios sociais e ambientais que vemos nos dias de hoje.

As organizações aqui se caracterizam pela visão do maior lucro possível, crescimento constante e vencer a concorrência. Inovar é a chave para se manter à frente. Organizações são como máquinas e as pessoas são as peças que fazem essa engrenagem funcionar.

O mérito individual é o caminho para o sucesso e o esforço é o meio para buscá-lo. O sucesso é medido pela quantidade de dinheiro e reconhecimento.

Este paradigma e o anterior são as visões predominantes em boa parte das organizações atuais.

A era do propósito, justiça social e cuidado

Crescente no século XX, este paradigma busca transcender a ideia da obsessão materialista de seu antecessor. Existe um anseio por justiça, igualdade, harmonia, comunidade, cooperação e consenso.

O resultado ainda é importante, mas não o principal. É importante cuidar das relações. Das pessoas. Do planeta. Encontrar formas de vivermos numa sociedade mais justa e inclusiva. Que respeite a diversidade.

As organizações neste paradigma criam estruturas que empoderam as pessoas nas suas decisões, que valorizam seus talentos e buscam ter o poder de decisão de forma mais distribuída. Os líderes passam a ser mais servidores e facilitadores do que protagonistas donos do poder.

A cultura organizacional é orientada por valores e propósitos inspiradores, pela sua vivência na prática cotidiana e não apenas em sua fixação nas plaquinhas de “missão, visão e valores”.

A responsabilidade não é exclusiva com os acionistas e o máximo resultado financeiro. Cuidado com a sociedade, meio ambiente, colaboradores, fornecedores e comunidades locais tem igual peso nas responsabilidades da organização. O dinheiro não vem em primeiro lugar, nem a qualquer custo.

Uma conhecida organização que opera atualmente nesse paradigma é a Ben & Jerry’s. Talvez você a conheça por seus deliciosos sorvetes, mas saiba que o negócio dela vai além. Tem a ver com cuidado com a Terra e o meio ambiente.

O próximo passo

A transformação continua a acontecer, dia a dia. Nos cabe ampliar o olhar para novas possibilidades e continuarmos a construção de organizações mais saudáveis e sustentáveis. Para seus colaboradores e acionistas, para a sociedade, para o planeta.

E tem mais. Frederic Laloux escreve no mesmo livro que um próximo paradigma está a emergir. Um modelo de organizações que nasce ao perdermos a identificação com nosso próprio ego. Porém, essa parte fica para uma outra conversa.

Sergio Luciano
Um mineiro que gosta de conversar, aprender com o cotidiano e escrever. Investiga psicologia junguiana, comunicação não violenta, poder, privilégio, democracia profunda, dentre outros temas, para tentar entender um pouco mais esse negócio de relacionar-se com o diferente.
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