Entrevista com Marshall Rosenberg, feita por Dian Killian e originalmente publicada em inglês na revista Cleveland Free Times em março de 1999.
Segundo endossos de capa por John Gray e Jack Canfield (autores de Homens são de Marte, Mulheres são de Vênus e Canja de galinha para a alma), Comunicação Não Violenta: uma linguagem de compaixão1 de Marshall Rosenberg soa como mais um livro de autoajuda da Nova Era. No entanto, como Noam Chomsky—que desconstruiu a linguagem e depois a mídia e a política—o trabalho de Rosenberg é intrinsecamente radical. Começando por abordar a linguagem, ela subverte todo o nosso sistema de status quo de poder: entre crianças e adultos, entre o são e o psicótico, entre o criminoso e a lei.
1- Tradução literal do título da primeira edição do livro em inglês, lançado em 1999. Mais tarde, o subtítulo em inglês foi alterado para “a language of life” [uma linguagem de vida]. O título atual da versão em português é Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais (nota da tradutora).
Rosenberg começa o primeiro capítulo com uma pergunta: “O que acontece que nos desliga de nossa natureza compassiva, levando-nos a nos comportarmos de maneira violenta e baseada na exploração de outras pessoas?”. Em resposta, ele conta sua própria história—desde a sobrevivência a conflitos raciais e antissemitismo em Detroit até sua formação como psicólogo clínico. Em última análise, como o filósofo Michel Foucault, ele explora a relação entre “poder e conhecimento”—a forma como o discurso é cúmplice da opressão. Decifrando o código, ele oferece um método pragmático de identificar sentimentos, valores e necessidades, ilustrando a linguagem de julgamento e as relações de poder que dominam todos os níveis de nossa sociedade.
Não apenas teórico, Rosenberg mostra a CNV em ação—muitas vezes em situações dramáticas—desde lidar com racistas na América até sobreviver a ataques na Palestina sofridos pelo simples fato de ser um americano. Bem escrito e organizado, com desenhos ilustrativos2, transcrições de diálogos reais e um resumo dos pontos principais nas margens, o livro Comunicação Não Violenta é acessível e fácil de ler—talvez enganosamente. Especialmente na segunda metade do livro, Rosenberg apresenta alguns pontos desafiadores: que elogios e desculpas também operam em um sistema de opressão; que as recompensas são tão prejudiciais quanto a punição; que, no que diz respeito à violência, matar é a saída mais fácil. Expandindo do âmbito pessoal para o âmbito político, ele questiona a paternidade, os ativistas políticos, as corporações, o sistema penitenciário, a educação e a psicologia—que, anos depois de terminada sua formação, ele continua considerando nocivos em seu distanciamento emocional, diagnóstico e hierarquia. Sua diferenciação entre força “punitiva” e “protetora”— como discernir quando o uso da força é necessário—deveria ser leitura obrigatória para qualquer pessoa que crie a política externa dos EUA ou que policie nossas ruas.
2- Os desenhos constam apenas na primeira edição do livro em inglês (nota da tradutora).
Demandando a forma final de responsabilidade—e vulnerabilidade—não é de se admirar que, como Chomsky, Rosenberg tenha recebido relativamente pouca atenção da mídia e da massa. Talvez em estudos futuros ele explore mais a fundo as implicações de seu trabalho—especialmente para superestruturas como relações internacionais, racismo institucionalizado, pena de morte e como seu trabalho faz a ponte entre o espiritual e o político. Mas enquanto isso, deixando de lado todo o modismo, a diva da autoajuda Jack Canfield provavelmente está certa: “os princípios e técnicas neste livro podem literalmente mudar o mundo”.
Nos últimos 35 anos, Rosenberg tem estado na linha de frente ensinando resolução de conflitos em pontos críticos ao redor do mundo. Nos últimos 13 anos, em Cleveland, ele tem criado uma revolução silenciosa: ensinando seu método de “escuta compassiva” em mais de uma centena de faculdades, igrejas, hospitais, museus e escolas diferentes. De acordo com Rita Herzog, diretor do Cleveland Center for Nonviolent Communication [Centro para Comunicação Não Violenta de Cleveland] e coeditora do novo livro de Rosenberg, ele conduziu mais treinamentos sobre CNV em Cleveland do que em qualquer outra cidade dos EUA, exceto San Diego.
Na próxima semana, ele assinará seu novo livro na Borders em Beachwood na quinta-feira, 18 de março 1999. A seguir, pode ler trechos de uma entrevista por telefone com Rosenberg enquanto ele estava trabalhando na Suécia.
Free Times (FT): Em seu livro, você diz que “julgamentos são expressões trágicas de necessidades não atendidas”. Então, como a ética e a moralidade se situam em relação a isso?
Marshall Rosenberg (MR): Precisamos de julgamentos. Cada criatura viva precisa de julgamentos baseados em necessidades. O outro dia tentei dar uma maçã a um cachorro e ele olhou para mim como se eu fosse louco. Obviamente, precisamos saber se o que comemos é veneno ou não. Continuamente precisamos fazer julgamentos baseados em necessidades em nossas vidas—mas diferenciá-los dos julgamentos moralizadores. Todas as grandes religiões vêm dizendo isso há séculos: não julgue os outros. Eles estão falando sobre não fazer julgamentos moralizadores.
FT: As estatísticas mostram que os homens são muito mais violentos do que as mulheres—quer dizer que eles são apenas péssimos comunicadores?
MR: Os homens são mais violentos com outras pessoas. As mulheres são mais violentas consigo mesmas.
FT: Seu método de resolução de conflito é chamado de “Comunicação Não Violenta”, mas a maioria das pessoas consideraria a linguagem uma alternativa à violência, não uma forma dela.
MR: Bem, eu defino a violência de muitas maneiras diversas. Existe violência institucional ou sistemática: o sistema judicial americano é muito violento—ele discrimina com base em classe e raça. Aí também podemos falar sobre violência física, aquela em que a maioria das pessoas pensa—mas não a considero a forma mais perigosa. E a física quase sempre é baseada na psicológica, onde você desumaniza a pessoa com sua linguagem—implicando algum tipo de maldade, erro ou inadequação. Você define as pessoas com aquele tipo de maldade como merecedoras de sofrimento. Esse é o conceito mais destrutivo já inventado pela humanidade: o conceito de merecimento.
FT: Você fala sobre a raiva como um estado de espírito—um resultado do nosso pensamento. Mas se você não está ganhando uma renda suficiente para viver ou está sendo discriminado pela cor da sua pele ou pelo sexo da pessoa com quem dorme—a injustiça não está apenas na sua cabeça.
MR: Não é injustiça. Uma situação como essas não está atendendo às nossas necessidades de justiça. Se você tiver certeza de que sua necessidade não está sendo atendida, é muito mais provável que você tome ações para que ela seja atendida. Se você julgar isso como uma injustiça, como algo que é “errado”, então você vai cometer uma ação violenta.
FT: A política externa dos EUA parece ser sempre punitiva.
MR: Nossos líderes não sabem a diferença entre o protetivo e o punitivo. Como acabamos de ver, a direita queria punir Clinton. Eles não estavam tentando fazer um uso protetor da força—para proteger a moral do país. Eles não estavam interessados nisso. Eles estavam interessados em punir… e punição não apenas nunca funciona, mas quase sempre cria uma dor enorme para quem a estiver usando.
Tradução livre e com autorização da autora do artigo “On the Front Line: Meet Marshall Rosenberg, quiet revolutionary”, escrito originalmente em inglês por Dian Killian. Disponível na íntegra aqui.
Tradução gentilmente oferecida pela Colibri. Ao copiar fragmentos do texto, cite a fonte.