Transformação social? É possível!

Aumentando a diversidade nos encontros de Comunicação Não Violenta (CNV)

– Tempo de leitura: 7 minutos

Originalmente escrito por Roxy Manning, o texto fala sobre a realidade da Comunicação Não-Violenta nos Estados Unidos. Porém, acreditamos que ele dialoga totalmente com a realidade brasileira no que tange a questões raciais. No texto escrevemos “pessoas não brancas” quando traduzindo o termo “people of color (POC)”.

Eu participei de dezenas de eventos sobre comunicação não-violenta (CNV) ao redor do mundo. Se o encontro é nos Estados Unidos ou em um país europeu, um fato é aparente: muitas vezes sou a única pessoa não branca visivelmente presente. Nos EUA, pessoas brancas me abordaram várias vezes para perguntar: “Como podemos ter mais pessoas não brancas na sala?” Infelizmente, pessoas não brancas também se aproximaram de mim para me dizer por que elas não estão voltando aos encontros de CNV. Este ensaio é para compartilhar com as pessoas – especialmente as pessoas brancas – que querem aumentar a diversidade nos encontros algumas das coisas que elas podem fazer para tornar os encontros de CNV mais acolhedores para pessoas não brancas nos EUA.

Um primeiro passo importante é se informar.

Você está realmente ciente das experiências de pessoas não brancas na América? Você já olhou para as estatísticas sobre as disparidades raciais em renda, conquistas, detenção, moradia e discriminação no trabalho? Você já considerou o que essas estatísticas significam para a experiência do dia-a-dia de muitas pessoas não brancas?

Houve vários casos em encontros de CNV, ao surgir o assunto da raça, que ouvi alguém minimizar as experiências de pessoas não brancas. Isso pode acontecer em declarações explícitas ou de maneiras sutis. Por exemplo, depois que um homem latino compartilhou como policiais espancaram seu irmão simplesmente por ter perguntado por que ele foi parado (a gênese da desconfiança subsequente do locutor diante da polícia), uma mulher branca expressou choque que exista alguém que acredite que os policiais não foram solícitos. Quando isso aconteceu, muitas das pessoas não brancas ficaram caladas no grupo. Como é possível começar a se conectar quando as experiências diretas de vida são desafiadas? Como foi possível que as estatísticas sobre violência policial contra pessoas não brancas não foram apenas desconhecidas, mas também desafiadas?

Você está fazendo seu próprio trabalho interno fora desses encontros ou anda perguntando essas coisas para pessoas não brancas que vêm a sua oficina para aprender e compartilhar a CNV? Obtenha apoio fora desses eventos para entender as questões de discriminação e as disparidades resultantes dela.

Em uma oficina recente, uma afro-americana descreveu, com muita dor, seu cansaço total em relação a seus amigos brancos, pedindo que os alertasse quando eles diziam algo racialmente insensível. Ela descreveu estar exausta por tentar lidar internamente com essas questões, à medida que surgiam. Ela ficou perplexa por ter sido convidada a cuidadosamente guardar qualquer reação que pudesse ter para educar com calma a própria pessoa da qual o comentário a afetou. Observe o impacto que pedidos de educação e apoio que você faz podem ter sobre outras pessoas cuja experiência não é reconhecida. Escolha fazer o seu trabalho interno de maneiras que não são desgastantes para as pessoas não brancas presentes no ambiente!

Se você já iniciou seu trabalho interno e aprendeu as questões, pode fazer muito para apoiar as comunidades de CNV quando essas questões de diversidade surgirem.

Uma consequência do privilégio que muitas pessoas brancas experimentam é que elas, apesar da melhor das intenções, podem estar completamente inconscientes das experiências das pessoas não brancas, ou porque experimentar certos comportamentos pode ser desafiante para uma pessoa não branca.

Eu vi surgir uma questão de sensibilidade racial em um ambiente diverso, e observei todos recorrendo a outra pessoa não branca para intervir. Se você é uma pessoa branca e está ciente da questão, intervenha em seu lugar. Você pode ajudar a comunidade a entender e demonstrar que essa não é uma questão de pessoas não brancas, mas um desafio para todos na comunidade. Você pode remover a pressão descrita anteriormente de que, se algo me provocar enquanto pessoa não branca, eu devo colocar de lado meus incômodos e gatilhos e tomar a palavra. Se você tem o conhecimento e a consciência para facilitar, então intervenha. Ajude a educar aqueles que ainda precisam entrar para endereçar a discriminação e as disparidades do sistema.

Um terceiro passo é distinguir entre intenção e impacto, e se atentar ao impacto.

A maioria das pessoas que vem para os encontros de CNV tem em seus corações a intenção de se conectar e apoiar. Apesar de suas melhores intenções, às vezes seus esforços para se conectar têm um impacto diferente da sua intenção. O que você faz quando isso acontece, especialmente em torno de questões de diversidade, afeta o quão acolhedores os encontros de CNV podem ser. Quando você afeta alguém, mesmo quando não foi sua intenção, geralmente sabe o que fazer. Muitos ensinamentos na CNV tratam disso – conexão antes de correção; empatia primeiro. Mas o que tenho visto acontecer repetidamente quando se trata de diversidade é o oposto. As pessoas ficam tão horrorizadas com a possibilidade de serem percebidas como racistas que se concentram em serem entendidas por sua intenção, insistindo frequentemente que a pessoa não branca que expressou dor diante das ações da pessoa branca pare de expressar dor e reconheça a intenção da pessoa branca.

Por exemplo, em uma oficina recente, uma mulher afro-americana – que acabara de explicar como era doloroso compartilhar suas experiências de discriminação – explodiu em profunda dor e raiva quando a resposta de alguém foi deixá-la saber que desejavam conhecê-la melhor e pediu à mulher afro-americana para compartilhar suas experiências de discriminação. O solicitante continuou interrompendo a mulher afro-americana, protestando: “Não foi isso que eu quis dizer”.

Uma jovem asiática-americana explicou como esses tipos de experiências a levaram a se distanciar de encontros de CNV. Ela compartilhou que quando tentou abordar coisas que aconteceram nestes encontros que ela achava dolorosas, outras pessoas insistiam que ela se concentrasse em observações, sentimentos e necessidades. Sua experiência foi que, enquanto as pessoas tentavam fazer com que ela se concentrasse apenas no momento atual e na intenção de quem falava, quer a pessoa intencionasse isso ou não, a dor estimulada nela pelo contexto histórico em que essas interações caíram, foi minimizada e negligenciada.

Como uma mulher descreveu, “se eu entrar na loja e você vier de trás do balcão para me seguir, você pode ter feito isso completamente por acaso. Isso não muda o impacto em mim enquanto eu sinto a dor que surge quando este evento me lembra da quantidade de vezes que lojistas me seguiram, me pararam e me pediram para abrir minha bolsa para provar que eu não estava furtando em lojas. Não conheço sua intenção e a dor estimulada em mim é real ”, explicou ela. “Ouvir sua intenção não diminui a dor que esta é minha experiência, e que isso aconteceu com frequência suficiente para ser um padrão no qual suas ações se encaixam.”

Neste caso, use a CNV integralmente. Ou ofereça empatia à pessoa vivendo essa dor, ou busque receber empatia você mesmo de outra pessoa. Pedir a uma pessoa não branca para parar e cuidar da dor alheia cai diretamente em outra armadilha que as pessoas não brancas acham muito familiar: Não deveríamos “deixar” as pessoas brancas desconfortáveis. Então, nossa dor precisa ser particular e apenas compartilhada entre nós. Como podemos querer fazer parte de um espaço que se orgulha da autenticidade, quando nossa autenticidade é restrita apenas ao que é confortável para você?

Continue a fazer o seu trabalho interno. Perceba quando sua dor em relação às possíveis percepções sobre você ou sobre o impacto de suas ações, surge e recebe apoio.Mas não permita que receber apoio ou resolver sua própria dor lhe impeçam de reconhecer o impacto de suas ações em pessoas não brancas. Que não seja um impedimento para você empatizar com a dor que experimentamos ao ouvir suas palavras.

Relacionado a esses pontos está a questão sobre o que é “aceitável” falar em encontros de CNV.

Fiz parte de muitos grupos de CNV onde discutimos tópicos intensos. As pessoas compartilharão histórias de traumas pessoais comoventes e os grupos pararão para expressar cuidado e sustentar o espaço para elas. Mas, de novo e de novo, vi pessoas não brancas expressarem dor sobre o racismo. As pessoas se calam. Mudamos o assunto. Iniciamos um debate sobre a validade da experiência do interlocutor ou pedimos ao interlocutor para provar sua observação.

A América ainda está tão atormentada sobre racismo, tão insegura sobre como admiti-lo e falar sobre, que mesmo em encontros de CNV, não sabemos como falar sobre isso e temos medo de admiti-lo. É um assunto tão doloroso – e, em alguns casos, tão arriscado – que gera tanto medo para pessoas brancas como pessoas não brancas, que ambos os lados tendem a evitá-lo.

O próximo passo é aceitar que você vai cometer erros e que vai estimular a dor de alguém. Isso não significa evitar o assunto. Fale sobre isso. Enderece o tema. Nomeie seus medos. Se você afetar alguém, então use suas habilidades de CNV e lide com isso. Empatize! Se você não conseguir, faça autoempatia e ajude a outra pessoa a receber empatia.

Se você afetar alguém e não entender o motivo, peça a um amigo branco ou a alguém mais experiente (e não afetado) para ajudá-lo a entender. Empenhe-se! Não fuja e ignore o elefante na sala. Se você é branco, pode fingir que não está lá e que ele sairá quando a pessoa não branca sair. Mas se você é uma pessoa não branca, esse elefante tem sua tromba enrolada em volta do seu coração, esperando para segui-lo na próxima reunião. Reconheça que isso não é uma questão apenas para as pessoas não brancas. Todas e todos perdemos algo precioso – uma comunidade autêntica – quando não discutimos questões de diversidade, especialmente quando isso resulta em pessoas saindo e não voltando.

Este ensaio também destaca um aspecto de liderança que é especialmente importante quando se trata de questões como inclusão, dinâmicas de grupo e funcionamento de grupos. Você não precisa ser o líder designado em um grupo para realizar essas ações. Como líder, você terá certo poder estrutural que facilitará suas ações terem um impacto nos outros membros do grupo. Mas, grandes mudanças podem acontecer quando as pessoas lideram de baixo, quando tomamos atos de liderança a partir de posições de menos poder estrutural.

Independentemente da sua posição no grupo, a maneira como você responde quando confrontado com essas questões pode impactar como o grupo funciona e o quão acolhedor o ambiente do grupo é para todas e todos. Como uma pessoa branca que testemunha algumas das dinâmicas dolorosas descritas anteriormente no artigo, você pode optar por usar o privilégio que tem como pessoa branca para mudar os padrões frequentemente inconscientes que atormentam grupos bem-intencionados, tenha ou não o poder estrutural que vem junto ao nome de líder. É uma ótima oportunidade para realmente viver em alinhamento com seus valores, para criar um clima mais inclusivo e para liderar pelo exemplo.


Tradução livre do artigo “Increasing Diversity in NVC Circles” escrito originalmente em inglês por Roxy Manning.

Fonte: http://www.roxannemanning.com/2015/12/30/increasing-diversity-in-nvc-circles/

Tradução gentilmente oferecida pela Colibri. Ao copiar fragmentos do texto, cite a fonte.

Roxanne Manning (tradução por Laura Claessens)
A experiência de vida de Roxy como imigrante afro-caribenha, combinada com sua formação acadêmica e trabalho profissional como psicóloga clínica licenciada e Treinadora Certificada de CNV cultivou nela uma profunda paixão pelo trabalho que apoia a mudança social, seja com indivíduos, casais ou instituições. Para saber mais sobre ela e seu trabalho, visite seu site.
Tem interesse em investir em suas habilidades relacionais e comunicacionais?

Cada produto nosso foi escolhido a dedo, com a intenção de apoiar seu desenvolvimento pessoal e profissional

Introdução à Comunicação Não Violenta
Comunicação consciente e empatia como caminho para a colaboração e relações saudáveis no ambiente de trabalho, e além
Livros
Comunicação Não Violenta no trabalho
Um livro para te apoiar na integração de uma comunicação mais empática e assertiva no trabalho, enraizado nos fundamentos da Comunicação Não Violenta
Jogo GROK
Jogos
Jogo GROK
Um jogo para apoiar a prática de empatia e Comunicação Não Violenta de forma lúdica e divertida
Deixe um comentário!
Conta pra gente suas dúvidas, aprendizados, inquietações! Vem construir esse espaço de troca com a gente!
Assinar
Notificação de
guest
3 Comentários
Mais votado
Mais recente Mais antigo
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários

Fale conosco

Envie um email para
contato@colabcolibri.com
contando detalhes do que precisa
e retornaremos em breve